quarta-feira, 20 de junho de 2012

O ESTADO DE TRANSE

Um Transe?
Logo nos toma uma sensação aversiva, pela vulgaridade do termo;
Em nossa subjetividade existe uma certa confluência com a magia, o espiritismo, a feitiçaria; um comportamento escuso e de reação jacosa.
"...Em termos gerais, diz-se que o transe é um estado alternativo de consciência...
Nos primórdios da história formal da hipnose, pensava-se que o transe era um estado patológico, ou no mínimo implicava em se ter uma mente débil. Em termos modernos, é um estado em que as faculdades mentais críticas - a razão e a lógica, estão temporária e parcialmente suspensas e a pessoa está imaginando e sentindo mais do que pensando. Neurofisiologicamente, define-se como um estado em que o sujeito está funcionando sob o predomínio de seu cérebro direito. O sono fisiológico é outro estado alternativo de consciência, onde se dão fenômenos similares aos do transe (alucinações, perda de noção do tempo, etc.) que dependem da atividade do cérebro direito. Em vigília, estamos sob o predomínio do cérebro esquerdo."(Robles,T.)
Muito nos motiva as pesquisas voltadas para a natureza autônoma do sono, porque sabemos que essa natureza pode ser estimulada pela hipnose, ou seja, depreendemos que um procedimento adequado, por via de um estado de transe, pode resultar numa terapêutica bem sucedida.
Descobrimos que inúmeras habilidades neurais se evoluem na determinação de resoluções de dificuldades do organismo biológico e do psiquismo. Portanto, seria oportuno abrirmos aqui um parênteses para descrever o esforço de compreender esse facinante mundo adormecido:
(revista Mente Cérebro - ed. especial, 32) "Em 1865, o químico alemão Friedrich August Kekulé (1829-1896) acordou de um sonho estranho: imaginou uma serpente formando um círculo e mordendo a própria cauda. Como muitos de seus colegas da época, ele vinha trabalhando com fervor para descrever a estrutura química do benzeno. O sonho da serpente, diz a história, o ajudou a concluir que essa estrutura tinha a forma de anel. Essa ideia abriu o caminho para uma nova compreensão da química orgânica e rendeu a Kekulé um título de nobreza na Alemanha.
Embora a maioria de nós não esteja interessada em estruturas químicas nem em se tornar nobre, há algo indiscutivelmente familiar no método de solução de problemas de Kekulé. Quer se trate de decidir estudar numa faculdade específica, aceitar uma oferta de trabalho desafiadora ou pedir alguém em casamento, 'dormir e pensar no assunto' parece propiciar a clareza de que precisamos para resolver o quebra-cabeça da vida.
O sono nos apresenta respostas, porque enquanto estamos dormindo tranquilamente nosso cérebro está ocupado processando informações coletadas durante a vigília. Ele repassa as memórias recém-formadas, as ordena e as grava de forma que façam sentido no dia seguinte. Uma noite de sono pode tornar essas impressões mnênicas mais resistentes à enxurrada de novos acontecimentos, permitindo recuperá-las no futuro. Além de fortalecer nossas lembranças, durante o sono o cérebro adormecido examina com cuidado os dados novos, selecionando aqueles que vale a pena guardar. Dormir também pode salvar os conteúdos emocionais de uma imagem, um som, um cheiro, fazendo com que todo o resto, sem importância, seja apagado com o tempo. Além disso, é nessas horas 'mortas' que o cérebro estabelece relações entre as memórias de toda a vida, identificando a essência de cada uma e formando aquilo que chamamos aprendizado.
A relação entre sono, memória e aprendizagem é relativamente nova na história da ciência. Até meados dos anos 50, os cientistas pensavam que o cérebro se desligava enquanto dormíamos. Embora o psicólogo alemão Hermann Ebbinghaus já acreditasse, em 1885, que o sono protegia as memórias simples da degradação, por décadas os pesquisadores atribuíram esse efeito a uma proteção passiva. Nós esquecemos coisas, defendiam eles, porque todas as novas informações que entram substituem as anteriores. Foi só em 1953, depois de os fisiologistas Eugene Aserinsky (1921-1998) e Nathaniel Kleitman (1895-1999), da Universidade de Chicago, descobrirem as fascinantes variações da atividade cerebral durante o sono, que os cientistas se deram conta de que não estavam dando atenção a algo realmente importante.
Aserinsky e Kleitman observaram que o sono humano se divide em ciclos de cerca de 90 minutos que, por sua vez, se dividem em dois padrões de atividade cerebral conhecidos como sono de ondas lentas e sono paradoxal ou REM (movimento rápido dos olhos, na sigla em inglês). Durante o sono REM, as ondas cerebrais são muito semelhantes àquelas produzidas enquanto estamos acordados.
Nas décadas seguintes, o neurocientista romeno Mircea Steriade, da Universidade Laval, em Québec, chegou à conclusão de que determinados grupos de neurônios disparam de forma independente durante o sono de ondas lentas quando o restante dispara sincronizadamente, num ritmo constante. Tudo isso serviu para deixar claro que o cérebro, enquanto dorme, não está meramente 'descansando'. Muito pelo contrário, ele está em franca atividade.
Nossa compreensão sobre o assunto mudou muito depois de 1994, quando os neurobiólogos Avi Kami e Dov Sagi, do Instituto de Ciências Weizmann, em Israel, mostraram que, depois de uma noite de sono, alguns voluntários melhoraram seu desempenho em testes de reconhecimento rápido de objetos...
Em 2006, demonstramos a poderosa capacidade que o sono tem de estabilizar lembranças e protegê-las de interferências...
Mas os efeitos do sono sobre o que lembramos não estão limitados à estabilização. No decorrer dos últimos anos, vários estudos demonstraram a sofisticação do processamento da memória durante o sono. Na verdade, parece que enquanto dormimos nosso cérebro pode dissecar nossas lembranças e guardar apenas detalhes mais relevantes. Em um estudo, criamos uma série de imagens de objetos desagradáveis ou neutros num fundo neutro, e testamos as pessoas logo depois de olharem as imagens, uma após a outra. Doze horas depois, um novo teste da recordação dos objetos e dos fundos. Os resultados foram bastante surpreendentes. Independentemente de os participantes terem permanecido acordados ou adormecidos, a precisão de suas memórias caiu 10% em todos os casos. Mas as memórias emocionais melhoraram um pouco da noite para o dia, mostrando um acréscimo de cerca de 15%. Sabemos que essa seleção acontece também na vida cotidiana, o que leva a crer que o sono tenha um papel crucial na evolução das memórias afetivas.
A maneira precisa como o cerébro fortalece e melhora a capacidade de elaboração emocional ainda é um mistério, mas podemos fazer algumas suposições. Sabemos que as lembranças são criadas pelo fortalecimento da ligação entre centenas, milhares ou talvez até milhões de neurônios, tornando certos padrões de atividade mais prováveis de se repetir. Quando esses modelos são reativados, evocam uma recordação, que pode ser o local onde deixamos a chave de casa ou um par de palavras como 'cobertor-janela'. Sabe-se que essas mudanças na conexão sináptica surgem de um processo molecular conhecido como potenciação de longo prazo, que fortalece as ligações entre neurônios que disparam ao mesmo tempo.
Durante o sono, o cérebro reativa padrões de atividade que realizou durante o dia, fortalecendo as memórias por meio dessa potenciação a longo prazo. Em 1994, os neurocientistas Matthew Wilson e Bruce McNaugh-ton, então da Universidade do Arizona, mostraram esse efeito, pela primeira vez, usando ratos equipados com implantes que monitoravam sua atividade cerebral. Eles ensinaram os animais a encontrar uma trilha que levava até a comida, registrando ao mesmo tempo os padrões de disparo neuronal do cérebro dos roedores. Células no hipocampo - uma estrutura do cérebro crucial para a memória espacial - criaram um mapa da trilha, com células diferentes disparando conforme os ratos atravessavam cada região da trilha. Essas células correspondem de maneira tão rigorosa a locais físicos exatos que os pesquisadores puderam monitorar o progresso dos ratos apenas observando quais delas estavam disparando em dado momento. E, o que é mais interessante: cientistas registraram essas informações até mesmo quando os ratos dormiam e notaram que elas continuavam a disparar na mesma ordem - como se os animais estivessem 'andando pela trilha' durante o sono.
Conforme essa prática inconsciente fortalece a memória, algo mais complexo acontece: o cérebro pode estar ensaiando, de forma seletiva, os aspectos mais difíceis de uma tarefa. Um trabalho realizado em 2005 pelo neurocientista Matthew P. Walker, da Faculdade de Medicina de Harvad, demonstrou que quando as pessoas treinavam num teclado a digitação de sequências complicadas, como 4-1-3-2-4 (algo parecido com aprender uma partitura no piano), dormir entre sessões de treinamento fazia com que os dedos se movimentassem de forma mais rápida e coordenada numa próxima tentativa. Em um experimento mais aprofundado, ele descobriu que os voluntários não estavam apenas aprimorando a tarefa de digitação; estavam também vencendo as dificuldades com as sequências numéricas mais complicadas.
O cérebro faz isso, ao menos em parte, deslocando a memória para as sequências mais difíceis. Usando ressonância magnética funcional, Walker mostrou que seus voluntários usavam diferentes regiões do cérebro para digitar depois de terem dormido. No dia seguinte, a digitação correspondeu a uma atividade maior no córtex motor primário direito, lobo pré-frontal medial, hipocampo e cerebelo esquerdo - áreas associadas a movimentos mais rápidos e precisos. Em compensação, houve menor atividade nos córtices parietais, ínsula esquerda, polo temporal e região frontopolar, indicando redução no esforço consciente e emocional. Em suma: toda a memória foi fortalecida, mas em especial as partes que mais precisavam sê-lo. O sono estava fazendo esse trabalho usando regiões do cérebro diferentes daquelas usadas enquanto a tarefa era aprendida.
Descobertas recentes mostram que dormir também facilita a análise ativa de novas memórias, permitindo a resolução de problemas e dedução de novas informações.
Num estudo de 2004, o neurocientista Ulrich Wagner, da Universidade de Lübeck, Alemanha, demonstrou quão poderoso pode ser o processamento de memórias no sono. Ele ensinou aos participantes como resolver um tipo de problema matemático usando um procedimento longo e fez com que o repetissem cerca de 100 vezes. Em seguida, pediu aos voluntários que fossem embora e voltassem 12 horas mais tarde, quando foram instruídos a tentar outras 200 vezes.
Embora não soubessem que havia uma maneira bem mais simples de resolver os problemas, os pesquisadores perceberam exatamente quando eles descobriam o atalho, pois a velocidade da resolução da tarefa aumentava de repente. Muitos dos participantes descobriram o truque durante a segunda sessão, e esta chance aumentou 59% depois de uma noite de sono. De alguma forma o cérebro adormecido estava solucionando esse problema - sem nem mesmo saber que havia algo para solucionar.
Quanto mais pesquisamos o assunto, mais percebemos que o cérebro está longe da inatividade enquanto dormimos. Está claro que o sono pode consolidar memórias por meio de seu aprimoramento e estabilização e pelas descobertas de padrões dentro do material estudado, mesmo quando não sabemos que pode haver padrões ali. É óbvio, portanto, que economizar nas horas de sono prejudica esses processos cognitivos: alguns aspectos da consolidação mnêmica só são possíveis quando temos mais de seis horas de sono. Perca uma noite, e as memórias do dia podem ser comprometidas- uma constatação perturbadora em uma sociedade na qual a privação de sono se alastra em proporções epidêmicas.
Mas por que certas funções cognitivas só entram em ação quando estamos dormindo? Não faria mais sentido se essas operações ocorressem durante a vigília? Talvez fizesse, mas as pressões evolutivas que tornaram o sono humano o que ele é hoje já existiam muito antes do advento da alta cognição. Funções como a regulação do sistema imunológico e o uso eficiente de energia (por exemplo, caçar de dia e descansar de noite) são apenas duas das muitas razões pelas quais faz sentido dormir num planeta que alterna a luz e a escuridão. E como já tínhamos a pressão evolutiva para dormir, o sistema nervoso acabou usando esse tempo para processar informações coletadas durante a vigília imediatamente anterior.
O processamento da memória parece ser a única função do sono que exige do organismo estar realmente adormecido, isto é, que ele se encontre alheio ao que acontece ao seu redor, deixando de captar as informações sensoriais. Essa atividade cognitiva inconsciente parece exigir os mesmos recursos cerebrais usados para processar estímulos sensoriais quando se está acordado. O cérebro precisa se desligar do mundo externo para realizar esse trabalho.
Em contraste, embora outras funções, como a regulação do sistema imune, sejam realizadas de forma mais imediata quando o organismo está inativo, não parece haver um motivo para precisarmos perder a consciência. Assim, pode ser que outras funções tenham se desenvolvido para 'tirar vantagem' do sono, que já foi alocado para o período noturno para tecer nossas memórias.
É inegável que ainda restam muitas outras perguntas sobre nossa cognição noturna e sobre a forma exata como o cérebro realiza o processamento de memórias. Essas indagações suscitam uma questão maior sobre a memória em geral: como lembramos certas informações e esquecemos outras? Acreditamos que compreender o sono pode ser a chave para decifrar mecanismos da memória."
Não nos resta dúvidas de que nossa capacidade intelectual é equivalente à agilidade e armazenamento de nossa memória, é pois, o acúmulo de aprendizagem interagindo com o presente, abrigando possibilidades infinitas no futuro. Assim é o movimento do homem. Assim é seu crescimento, seu avanço.
Muita vantagem nos oferece a vida quando decidimos explorar melhor cada momento em que nosso cérebro se encontre desempenhando sua atividade.
(matéria em construção)

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